Casamento bilionário de Jeff Bezos em Veneza gera protestos

Casamento luxuoso de Bezos atrai celebridades e revolta moradores, que denunciam a privatização da cidade e o agravamento da crise habitacional

O bilionário Jeff Bezos, fundador da Amazon e dono do The Washington Post, casou-se com a jornalista e piloto Lauren Sánchez em uma cerimônia de alto luxo realizada em Veneza, na Itália, no final de junho. Embora o casamento tenha contado com a presença de figuras ilustres da política, da elite empresarial e do showbiz internacional, o evento foi também marcado por uma onda crescente de protestos por parte dos moradores e ativistas locais, que viram no casamento um símbolo da desigualdade social e da transformação de sua cidade em um parque temático para os ricos.

Com uma fortuna estimada em US$ 231 bilhões, Bezos preparou um evento que ocupou diversos pontos estratégicos da cidade entre os dias 26 e 28 de junho, com hospedagens em hotéis de luxo como o Hotel Aman — onde uma diária com vista para o Grande Canal pode custar até €4.000 — e movimentação intensa de iates, helicópteros e jatos particulares. O evento, que teria custado entre US$ 23 e 34 milhões, reuniu cerca de 200 convidados. Entre eles, estavam personalidades como Oprah Winfrey, Tom Brady, Leonardo DiCaprio, Mick Jagger, Kim Kardashian, Ivanka Trump, Jared Kushner e a rainha Rania da Jordânia.

Protestos e resistência: “Sem espaço para Bezos”

Longe dos salões decorados e das recepções exclusivas, dezenas de moradores e ativistas tomaram as ruas e canais de Veneza em protesto. Sob o lema “No Space for Bezos” — um trocadilho que critica tanto a presença do bilionário quanto as ambições espaciais do casal —, manifestantes expressaram sua indignação com o que chamam de “privatização da cidade”.

Com cartazes, notas falsas de dólar estampadas com o rosto de Bezos, manequins em caixas da Amazon e até um barco alegórico com o boneco do empresário, os protestos ganharam atenção internacional. Um dos maiores atos ocorreu no sábado (28), quando os organizadores tentaram bloquear o acesso de barcos ao antigo local do casamento, a histórica Scuola Grande della Misericordia. Pressionados, os organizadores do evento transferiram a cerimônia principal para o Arsenale — um complexo fortificado de antigos estaleiros —, área mais isolada e facilmente controlável.

Grupos como Greenpeace Itália e o coletivo britânico “Everyone Hates Elon” também aderiram aos protestos, ampliando a crítica à concentração de riqueza, à evasão fiscal de bilionários e à falta de políticas públicas que priorizem os cidadãos. Um banner gigante foi estendido na Praça de São Marcos com a frase: “Se você pode alugar Veneza para seu casamento, pode pagar mais impostos”.

A cidade como palco — e o cidadão como figurante

Veneza é há décadas um dos principais destinos turísticos do mundo. Mas para seus cerca de 49 mil residentes permanentes — número que já foi o dobro nos anos 1970 —, o crescimento descontrolado do turismo transformou a cidade em um local cada vez mais hostil para a vida cotidiana.

“O casamento do Bezos é só o exemplo mais escancarado de um processo de anos: nossa cidade virou um cenário, um palco, um playground para milionários”, criticou Alice Bazzoli, estudante universitária de 24 anos. “Adoraria ver uma Veneza com moradia acessível para jovens, com menos iates e mais transporte público eficiente.”

O cineasta Andrea Segre, nascido em Veneza, reforça a preocupação: “Pessoas entre 25 e 35 anos não conseguem pagar para viver aqui. Isso está matando a diversidade, a vitalidade social. A cidade perde seus filhos para se tornar uma vitrine para os ricos”.

Segundo os críticos, a priorização de eventos como esse revela o desprezo das autoridades locais pela crise habitacional, pelos serviços públicos e pela preservação ambiental. O turismo de massa já havia pressionado a cidade a adotar uma taxa diária para visitantes (entre €5 e €10), e o número crescente de imóveis convertidos em aluguel de curto prazo tornou praticamente impossível para muitos moradores encontrar moradias a preços acessíveis.

Doações e acusações de hipocrisia

Como forma de suavizar os impactos e responder às críticas, Bezos anunciou a doação de recursos a instituições locais. Sua fundação, a Earth Fund, realizou em abril uma doação “importante” para o instituto Corila — um consórcio acadêmico voltado à preservação da lagoa veneziana — e, segundo relatos, outros milhões foram destinados a projetos ambientais e culturais da região.

Ainda assim, ativistas veem os gestos com ceticismo. “Doar alguns milhões não muda o fato de que ele está ajudando a empurrar moradores para fora de suas casas”, afirmou um dos manifestantes. A própria Alice Bazzoli classificou a atitude como “hipócrita”, sugerindo que a ação tem mais a ver com relações públicas do que com compromisso real com a cidade.

Autoridades reagem: aplausos ao casal e críticas aos ativistas

O prefeito de Veneza, Luigi Brugnaro, e o conselheiro de turismo, Simone Venturini, saíram em defesa do casamento e condenaram os protestos. “É uma honra receber um casal como Bezos e Sánchez. Eventos assim mostram que Veneza é um palco internacional”, declarou Venturini. “As vozes críticas representam apenas um grupo pequeno e barulhento, movido por inveja social.”

Brugnaro, por sua vez, foi mais incisivo: “Sinto vergonha desses protestos. Teremos que nos desculpar com Bezos. Ele é bem-vindo.”

Já a empresa organizadora do evento, Lanza & Baucina Limited, negou que a cerimônia tenha gerado transtornos ou tenha sequestrado espaços públicos. “Desde o início, nossas instruções foram claras: minimizar qualquer impacto na cidade, respeitar seus moradores e empregar o maior número possível de venezianos na organização”, informou a nota.

De fato, empresas tradicionais locais, como a confeitaria Rosa Salva e o estúdio de design de vidro Laguna B, foram contratadas para fornecer produtos aos convidados, o que, segundo alguns comerciantes, gerou benefícios reais à economia local.

Divisão entre os moradores

A cidade de Veneza se viu dividida. Enquanto alguns moradores exaltavam o prestígio do evento e a visibilidade global trazida pelo casamento — “Se é turismo de alto nível, melhor ainda”, disse um gerente de imóveis locais —, outros rejeitavam a ideia de que os ganhos econômicos justifiquem o sacrifício da identidade da cidade.

“Já temos o Festival de Cinema, o Carnaval, cúpulas internacionais… O problema não é um evento. É que cada um desses eventos tira um pedaço da cidade dos cidadãos. E pouco resta para quem vive aqui o ano inteiro”, disse um morador nas redes sociais.

Um evento que revela as tensões do século XXI

Mais do que um casamento de luxo, o evento em Veneza tornou-se um espelho das contradições do mundo contemporâneo: o abismo entre bilionários e cidadãos comuns, a gentrificação e descaracterização de centros históricos, o conflito entre crescimento econômico via turismo e qualidade de vida local.

Bezos, símbolo máximo do capitalismo digital, que enriqueceu com o comércio eletrônico e agora investe em viagens espaciais e mídias tradicionais, tornou-se, para muitos, o rosto visível de um sistema que concentra riqueza, poder e influência de forma inédita.

Por outro lado, o fato de a cerimônia ter mobilizado protestos organizados, criativos e midiáticos demonstra que as populações locais não estão mais dispostas a assistir passivamente à transformação de seus lares em vitrines de luxo.

Conclusão: muito além de um “sim”

O casamento de Jeff Bezos e Lauren Sánchez poderá até ser lembrado nas revistas de celebridades por suas joias, seus convidados poderosos e seus brindes com champanhe à beira do Grande Canal. Mas para os moradores de Veneza — e para muitos observadores atentos — o evento será recordado como mais um capítulo da luta entre o capital e a comunidade, entre a preservação e o espetáculo, entre o pertencimento e a exclusão.

A lua de mel do casal pode ter começado, mas a relação entre Veneza e seus visitantes bilionários segue cheia de tensões.

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