Turismo macabro em Londres: roteiros sobre Jack, o Estripador geram protestos de moradores

O fascínio turístico em torno de Jack, o Estripador, assassino em série que aterrorizou Londres em 1888, tem provocado incômodo e protestos entre os moradores do bairro de Whitechapel, palco dos crimes.

LONDRES — Apesar da brutalidade dos assassinatos — pelo menos cinco mulheres foram mortas com extrema violência —, o caso virou uma das atrações mais rentáveis do turismo na capital britânica, com dezenas de roteiros noturnos conduzidos por guias fantasiados e lojas temáticas.

Às 20h, não é incomum ver grupos disputando espaço em pontos como a Praça Mitre, onde Catherine Eddowes foi encontrada morta com o rosto mutilado. A concorrência entre os guias chega ao ponto de confrontos físicos, segundo relatos de profissionais da área.

Críticas crescem quanto ao tom dos passeios, que muitas vezes fazem piadas com as mortes ou exibem imagens gráficas das vítimas. Jessica O’Neil, ex-guia dos tours e hoje crítica do formato, lembra de colegas que projetavam fotos de cenas de crime em muros e tocavam trilhas de filmes de terror nos locais dos assassinatos. “Se não mostramos o corpo de vítimas atuais, por que é aceitável mostrar o delas?”, questiona.

Moradores relatam desconforto diário com o que chamam de “turismo do horror”. O blogueiro e guia The Gentle Author conta que vizinhos chegaram a se mudar por não conseguirem conviver com grupos circulando pelas ruas fazendo piadas sobre mutilações. Para tentar mudar a narrativa, ele passou a oferecer passeios focados na história social do East End, bairro marcado por imigração e luta da classe trabalhadora.

Desde a abertura do Jack the Ripper Museum em 2015 — prometido como um espaço de celebração das mulheres do bairro, mas inaugurado com foco quase exclusivo no assassino — os protestos se intensificaram. A resposta veio com a criação do East End Women’s Museum, voltado a preservar a memória das vítimas e da história feminina local.

A guia Charlotte Everitt, da Rebel Tours, tenta oferecer uma abordagem mais sensível: “Criamos um tour alternativo que pergunta: e as mulheres? Mas o interesse comercial ainda está na figura do assassino. Ele foi romantizado e transformado em um personagem cultural.”

Especialistas como Philip Stone, do Dark Tourism Institute, alertam para os riscos da chamada “turismo sombrio” ao ultrapassar os limites entre história e entretenimento. “Jack, o Estripador, virou um símbolo pop, mas é preciso lembrar: ele não era ficção. Ele matou pessoas reais”, afirma.

Enquanto isso, o comércio local continua lucrando: lojas como Jack the Clipper, Jack the Chipper e até o “Jacket the Ripper” usam o nome do assassino como chamariz. O museu, que não respondeu às críticas, destaca suas boas avaliações no TripAdvisor.

O debate segue em aberto: até onde vai o direito à memória — e onde começa a exploração insensível da dor?

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